sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Um estranho no ninho e o patinho feio

O que é que faz alguém ser um estranho no ninho em sua própria família?
Que mistério é esse dos pais de certo modo não se reconhecerem naquele rebento?
Será que, na roleta genética, esta específica mistura dos "ingredientes" juntou o que há de mais estranho nos dois parceiros e portanto causa profunda estranheza também em ambos?
Será que o próprio equilíbrio do casal torna mais melindrosa a chegada de um filhote, homem, se a tônica do casal é mais feminina, ou de uma filhota, mulher, se a tônica do casal é mais masculina? Em outras palavras, será que tem famílias que recebem com mais prazer e afinação um filho homem e outras que acolhem com mais amor e compreensão uma filha mulher?
Será também que casais mais velhos, ou mais cansados, com menos energia para viver, não aguentam um filho, homem ou mulher, com vitalidade intensa, e apesar de todo seu amor, vão tolher este filho em quase todos os seus ímpetos vitais?
Mistérios, mistérios, mistérios... E muito sofrimento... Provavelmente dos dois lados: dos pais, que vão se sentir ao mesmo tempo incomodados e incompetentes, e do filho, que vai crescer feito uma "criança selvagem", sem as lambidas, as palavras e os olhares amorosos que costumam acompanhar as maternas e paternas orientações e broncas...

Bem, mas o primeiro ato da peça termina o dia em que o filho, a filha, resolve enxergar-se não mais como o eterno estranho no ninho, mas sim como o patinho feio da história, que precisa encontrar sua verdadeira espécie, sua família, sua tribo, na qual se sentirá pertencer, se sentirá lambido e abraçado, falado e ouvido, olhado e aceito, amado enfim... Este segundo ato da peça pode ser longo, pois será necessário um árduo trabalho interno, de demolição e reconstrução, de metamorfose, e, em paralelo e em perpendicular, como num tear, um esforçado trabalho externo para, apesar de todas as dificuldades, tecer novos laços, relações de outra qualidade... Para tomar a medida das dificuldades, temos que lembrar que ao patinho feio o mundo parece tão ou até mais hóstil que a família, pais e irmãos... No entanto, só existe esta saída, é vital ir para o mundo, e a história não deixa isto claro mas o patinho feio tem que ser corajoso e batalhador ...
Espera-se, no final do segundo ato, que nosso patinho feio já tenha encontrado alguns cisnes, ou, tirando a idéia de superioridade, alguns patos mais afinados com ele mesmo, e que seu sofrimento já se faça mais suave, embora assombrações do primeiro ato ainda estejam perseguindo-o...
É no terceiro ato que chega o momento de libertar-se dos fantasmas, pois por mais que nosso passado seja parte fundamental de nós, assim como nosso futuro, nossa tônica está no roteiro presente, no agora e aqui. É neste momento que o filho entende, ou se convence racional e deliberadamente, meio que tomando uma decisão enfim, que tudo não passou de um equívoco, que não foi o amor que faltou aos pais, mas sim algum entendimento, ou alguma sensibilidade maior ao diferente, ao estranho... O feliz final deste terceiro e último ato traz, junto com a compreensão e a libertação do filho, o florescimento exuberante deste.