Deixei Paris há mais de 23 anos, achando tudo um saco, mesmo achando a cidade linda, maravilhosa, deslumbrante, mas não conseguia achar meu lugar alí, ou fazer meu lugar, enfim, dá no mesmo, sentia-me uma estranha no ninho...
Passo os detalhes, que sempre são muitos, e alguns muito interessantes, o mais interessante das histórias talvez, mas enfim, passo, deixei Paris para o Brasil, e as circunstâncias fizeram que Salvador fosse a cidade.
Na época, deslumbrei-me , não tanto com a cidade, que também é linda - podia ser muito mais linda, mas muito mais mesmo!- mas com o jeito de suas pessoas: pela primeira vez na vida - e eu já estava na casa dos 20, encaminhando-me para a próxima casa-, pela primeira vez, me senti fazer parte de qualquer coisa comum aos humanos!
Foi uma revelação, lembro-me de ter escrito isso em todas as longas cartas para os amigos, e era assim: pela primeira vez, senti que todos os humanos, mesmo com todas as suas diferenças ou peculiaridades pessoais, estavam todos em um mesmo barco, e eu também estava no barco, e foram os brasileiros, os baianos, que me fizeram sentir isso!
Na prática, como era isso? Muito simples, como é até hoje: aqui, aqui no Brasil, pois experimentei outras cidades de Norte a Sul, você pode falar com qualquer um, na rua, no ponto de ônibus, no elevador - salvo o elevador do prédio onde moro, pois lá moram pessoas que pensam que o barco delas é outro, certamente mais rico, vai ver algum cruzeiro transatlântico!!!-, na sala de espera, na fila do banco ou do mercado, enfim, parece que não é nada, mas para mim, foi tudo! E até hoje é, apesar da violência que tem assolado Salvador de uns 3 ou 4 anos para cá, e que tem entristecido muito a vida por aqui...
Bem, isto é ponto pacífico, o Brasil ensinou-me que eu era gente, que eu pertencia, ou, ao menos, me confirmou isso, pois era algo que eu sentia profundamente quando morava em Paris, mas tão poucos parisienses confirmaram que não foi suficiente...
Passaram-se os anos, os amores, os trabalhos, e aconteceu que uns dois anos atrás, viajei à França com meus filhotes, "para ver minha mãe no interior", como gosto de brincar para tentar comunicar que a viagem à França para mim está longe de ser tão exótica como o seria para um brasileiro da gema! E aconteceu que o tempo de estada em Paris me pareceu curto, curto demais, tantas coisas eu queria ver, tantos passeios, queria ficar mais, e, na hora de sair de Paris para voltar ao Brasil, chorei, chorei mesmo, com a bola na garganta que todo mundo conhece... Que novidade era essa?!?!?! Em todos esses anos, não tinha sentido saudade da França, o pão não me fazia falta nem os queijos nem os vinhos... Na Âmbar, eu gostava de brincar com os turistas quando me perguntavam por que eu tinha deixado a França "Paris me desanimou da França!..."
Tem uma cena do filme "O Piano" da Jane Campion, uma diretora neozelandesa, que eu gosto muito: é uma cena, lá quase no final do filme, em que a moça que é a personagem principal do filme coloca seu pé dentro das cordas de seu piano que vai ser jogado em alto mar, mas acontece que, quando ela já está sendo arrastada irremediavelmente pela corda para morrer afogada no fundo do mar, um ímpeto de vida, que ela não suspeitava mesmo, a faz livrar-se de sua botina para livrar-se da corda! Ela então soube novamente para a superfície da água e podemos ouvir sua voz gritando de espanto "What a death!... What a chance!... What a surprise!... My will chose life!...", em português "Que morte!... Que destino!... Que supresa!... Minha vontade escolheu a vida!..."
Por que contei isso? Porque foi uma supresa tão profunda assim que eu senti quando me apareceu esta dor de deixar Paris, de ficar longe de Paris e da França, não esperava... Esta dor confirmou-se desde então: saudades das estações, dos lugares, das regiões pelas quais já andei, e muita saudade mesmo dos lugares de Paris... Os parques, as ruas, os edifícios antigos, o Sena, as pontes, os monumentos às suas margens, e também, poder ir e vir mais em paz do que por aqui, poder fazer um pique-nique no gramado de um jardim...
Sim, poder fazer pique-nique é essencial pois os franceses são uma grande dinastia de farofeiros, é farofa de pai para filho, a Disney de Paris quase foi à falência por causa disso, os restaurantes não andavam, todos os visitantes franceses levavam seus sanduíches, e ainda devem levar, eu mesma levo!
E fazer pique-nique no Parc Monceau, este da foto, é puro prazer!!!
E fazer pique-nique no Parc Monceau, este da foto, é puro prazer!!!
Enfim, descobri que eu sou francesa, mesmo!
Recapitulando: o Brasil me ensinou, ou me confirmou, que eu era humana, passageira da barca dos homens, coisa que a França não tinha conseguido confirmar, ou tinha até recusado, e agora, recentemente, a França me lembrou que eu era francesa, como que cobrando o que era dela afinal...
E agora, José? O que fazer com isso?
Quem souber morre", como fala um cara que eu conheço, e confesso que sempre morro de rir, idiotamente, também reconheço minha idiotice...
Mas enfim, voltando à vaca fria, não louca, nem inglesa, mas sim bem francesa, e sensata, vou ter que cuidar disso...
Recapitulando: o Brasil me ensinou, ou me confirmou, que eu era humana, passageira da barca dos homens, coisa que a França não tinha conseguido confirmar, ou tinha até recusado, e agora, recentemente, a França me lembrou que eu era francesa, como que cobrando o que era dela afinal...
E agora, José? O que fazer com isso?
Quem souber morre", como fala um cara que eu conheço, e confesso que sempre morro de rir, idiotamente, também reconheço minha idiotice...
Mas enfim, voltando à vaca fria, não louca, nem inglesa, mas sim bem francesa, e sensata, vou ter que cuidar disso...