Acabou a maratona! É legal, é, nos permite conhecer, ou conhecer melhor, alguns professores e entrar em contato com algumas obras, é, mas é uma maratona!
Não sei se “O Prazer do Texto” é vivido assim por outros participantes, mas, para mim, foi uma maratona: duas palestras de manhã mais duas de tarde, abordando as obras mais variadas...
Parece “A volta ao mundo em 85 dias”, e como visitamos 4 países por dia, em 5 dias, foram quase 20 países! Digo “países” mais para respeitar a analogia com o livro, pois o que sinto é que são mundos, mundos diferentes! E tem mais: é o mundo do autor da obra pintado com as cores do mundo do palestrante, uma vertiginosa multiplicação dos mundos! O popular, em sua pungente sabedoria, bem que o diz “Cada cabeça é um mundo”!
Certas visitas a esses mundos ou países alheios são apaixonantes, outras emocionantes, outras ainda mais para enfadonhas - como não?-, inclusive sem sabermos ao certo se isso tem a ver com a obra ou o apresentador...
Mas o que quero contar mesmo para vocês é que, já no terceiro dia, eu fico com fastio de tantas palavras, enjoada, com estafa, com indigestão intelectual, é palavra demais! Entro em desespero, o sentido esvai-se, sinto-me envolvida e rolada em um grande turbilhão de palavras! E minha sensação é que todas essas palavras têm vontade própria e reproduzem-se loucamente...
Procuro um remédio, um calmante, e não acho nenhum...
Mas sinto saudade...
Sinto saudade de um silêncio repousante...
Sinto saudade dos lacônicos escritos de Heráclito:
“O contrário em tensão é convergente; da divergência dos contrários, a mais bela harmonia.” (Fragmento 8)
“Conjunções: completo e incompleto (convergente e divergente, concórdia e discórdia, e de todas as coisas, um, e, de um, todas as coisas). (Fragmento 10)
As parcas palavras de Heráclito despertam intensamente nossa reflexão, estimulam em nós tanto questionamentos comuns quanto próprios de cada um. Nenhum risco de afogamento em mares de detalhes explicitados, mas que densidade, que profundidade!
Sinto saudade também das enxutas estórias de Nasrudin, o sábio bem humorado do sufismo:
A VERDADE
“O que é a verdade?” perguntou um dos discípulos a Nasrudin.
“Algo que nunca, em nenhum momento, eu falei – nem falarei”.
IDÉIAS FIXAS
“Quantos anos você tem, Mullá?”
“Quarenta.”
“Mas você disse o mesmo a última vez que lhe perguntei, há dois anos atrás!”
“É, eu sempre sustento o que digo.”
Com Nasrudin também, as palavras são poucas mas, se assim nos dispusermos, poderemos, além da primeira impressão humorística - sedutora- das estórias, aprofundar muito nosso pensamento.
Sinto saudade também dos concisos contos tradicionais do mundo todo que, também em tão poucas palavras, já diziam tanto para o intelecto-emoção dos ouvintes... Sou fã de um escritor e contador francês chamado Henri Gougaud que soube reunir belíssimas coletâneas de contos do mundo inteiro e reescrever com maestria todas essas estórias!
Sou também apaixonada por alguns contos do argentino Jorge Luis Borges. Faz tempo que esses livros, volta e meia, estão na minha mesa de cabeceira e suas estórias são de fato companheiras minhas de viagem, de vida!
Enfim, nos ultimíssimos tempos, tenho pensado muito no equilíbrio – sim, a tensão dos contrários do Heráclito-, bem resumido na expressão muito usada por um amigo meu “nem tanto o céu nem tanto a terra”: podemos pensar que, com as palavras também, precisamos ser mais comedidos e procurar portanto viver em alguma ampla região entre a mudez e a tagarelice!
Por fim, não resisto à tentação de deixar registradas as minhas provocações, oriundas deste fastio de palavras.
Somos os mestres das palavras ou seus fantoches? Há harmonia nesta relação?
Será que tem um feitiço das palavras que, envolvendo-o, encantando-o, distrai o homem de seus alvos, o faz esquecer para onde ele quer ir? Lembro-me da conservadora de um pequeno museu francês que dizia preferir não colocar nada escrito perto dos objetos expostos no museu pois senão, a tendência geral dos visitantes, inclusive os mirins, era lerem o escrito com toda atenção as explicações, colocadas ali apenas como suporte, e mal olhar para o objeto exposto em si! Não será esse um bom exemplo do feitiço das palavras?!?!...
Quem muito fala pouco faz. Será que não poderíamos pensar aqui numa harmonia entre o falar –filho do pensar?- e o fazer, de certo modo entre a teoria e a prática? Não para transformar o filósofo em técnico ou artesão, mas para ele também estar imerso no mundo e nas coisas! Por vezes silenciosamente...
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