Pois é, para início de conversa, concordo: sempre se pode perguntar se é arte... Uns acham arrasador de lindo, outros medonho de horroroso, paciência, sem surpresa, cada cabeça é um mundo, isso, a gente já sabia...
O que eu posso garantir é que, como tudo na vida que fazemos para valer, tem sido uma aventura singela! E esta aventura começa com a pena que eu tinha de jogar fora e de ver jogar fora, sem mais nem menos, as tais das tampinhas de garrafas plásticas de bebidas: eu achava um objetinho redondinho bonitinho, vale dizer que adoro a figura de círculo, mas isso fica para outro escrito. Achava também seu plástico mais encorpado, me parecia concebido para uma vida mais longa, para mais histórias.
Na realidade, muitos objetos no mundo de hoje me deixam assim perplexa com o que fazer com eles depois do uso, de única vez ou múltiplas, para o qual eles foram planejados: cabos de escovas de dentes –particularmente os de plásticos coloridos translúcidos-, corpos e tampas de canetas, papeis de presente, caixas de sapatos, vidros de conservas e todas as embalagens... Penso que todos deveríamos ir ao menos uma vez por ano “visitar” o aterro sanitário de nossa cidade para tomar a medida -a desmedida!- de nosso lixo! Ver na tela da televisão não basta para darmos o estalo, tem que ver com os próprios olhos as montanhas de lixo e sentir com o próprio nariz o insuportável fedor...
O que acontece também é que fico “viajando” na fabricação, de A a Z, de todos esses objetos. No caso específico de minhas tampinhas, quantos operários, engenheiros, químicos, artistas, criadores, designers, marqueteiros, se debruçaram em seus poços de petróleo, tubos de ensaios, pranchetas, monitores, para chegar até elas, redondíssimas, densas, eficientíssimas, quase infindáveis, e também coloridas, atraentes, sedutoras? E toda essa inteligência e matéria prima vão, depois de um único uso, parar no aterro sanitário? Isso no melhor dos casos, porque achei tantas nas ruas e nas praias!!! E aí, onde estiverem, vão demorar séculos para desintegrarem-se? E é isso mesmo? Está tudo bem para todo o mundo? Concordo não!!!
Aí, comecei a pensar em qualquer coisa que se poderia fazer para, ao mesmo tempo, poupar nosso ambiente e salvar algumas dessas tampinhas do esquecimento prematuro. Minha primeira idéia era colar ou pregar as tampinhas numa placa de compensado para formar alguma figura colorida, parecia muito trabalhoso mas, ainda na dúvida, comecei a juntar as tampinhas.
Neste início da caça às tampinhas, arrastei comigo em minha inofensiva obsessão alguns amigos e familiares. Volta e meia, minhas filhas, uma adolescente e a outra quase adolescente, me censuravam ao pegar-me em flagrante de badameirismo nas ruas da cidade: “Minha mãe, se controle” ou “Tá sujésima, esta tampinha!” Meu filho, ainda criança mesmo, curtia a “catação” e apontava para mim os tesouros despercebidos!
Já não me lembro de como veio a idéia de enfiar as tampinhas num fio de náilon, mas lembro que o projeto era fazer uma cortina de porta, como tem de madeira, de sementes, todo mundo já viu uma dessas... Aí teve que ver como furá-las, dificuldade técnica, que foi resolvida com ferro de soldar, esta sendo uma tarefa enfadonha e fedorenta que confesso ter logo terceirizada...
Não tenho como contar a história das artes de tampinhas sem falar de todo o arco-íris de suas cores. As mais comuns são as translúcidas, as brancas e as azul marinho, todas meio sem graça mas ainda assim imprescindíveis para fazer os fundos das mandalas. As vermelhas já são mais raras e também essenciais para dar vida a qualquer desenho, será coisa de cor de sangue? Nessa escala do mais corriqueiro para o mais raro, seguem as aquáticas azul turquesa e as mimosas roxinhas, duas belas cores, refinadas, charmosas, acho que porque mistas de cores chamadas primárias! Confesso que já sofri paixão obsessiva por elas, chegando a usar de sedução com alguns garçons de restaurantes e barzinhos para conseguir alguns preciosos exemplares... Na categoria das mais raras, entram todas as verdes, floresta, rúcula e alface. Aqui, e apesar de envergonhada, tenho que contar que certa feita, cometi o disparate de comprar uma dúzia de fofas garrafitas de refrigerantes só por causa de suas verdes tampinhas! Mas era para uma grandíssima causa: a confecção da bandeira do Brasil para a copa do Mundo de 2006! Vejam a foto e convenham comigo: foram reais bem gastos!
Estamos finalmente nas preciosidades: as cor de laranja e as amarelas que, nas mandalas, darão o imprescindível toque de luz, na bandeira brasileira, nem se fala! As pretinhas são também dificílimas de encontrar e estão entre as minhas preferidas, não por sua cor para as artes mas sim pela divertida cara de gato gaiato desenhada encima!
Então, depois de ter juntado boa quantidade de tampinhas de todas as cores, tive a idéia das mandalas e aconteceu o que considero ser uma pequena mágica: centenas de tampinas à toa, sujando as calçadas, as praias, engordando nossas montanhas de lixo, transformam-se em bandeira do Brasil, em mandalas, em fuxico, em estrela, todas sendo suaves mensageiros do vento para os ouvidos e coloridos ímãs para o olhar!
Toda história tem uma moral, esta também tem. Se nós, humanos, ainda fôssemos ambientalmente corretos, não teria essa produção e consumo desenfreados de tantos sofisticados objetos descartáveis e poluentes, e seria muitíssimo melhor do que tentar reciclá-los... Mas, enquanto ainda somos irresponsáveis com nossa mãe terra, as mandalas de tampinhas dançam, cantam e brilham ao sabor do vento e do sol...
Agradecimentos
Agradeço a todos os amigos que me presentearam com pequenas safras e grandes tesouros de tampinhas, a Alex e Jane que furaram tantas tampinhas para mim, a Karla que montou a primeira cortina gastando o dedão da mão pois a técnica de furação ainda não estava apurada, a Hilda e Jane –ela de novo- que sempre realizaram a montagem das mandalas comigo, ou até “semigo” depois que comecei a estudar, a todos meu muito obrigado!!!